As confissões de S. Agostinho: retóricas da fé

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José M. Silva Rosa

Resumo

Como é que a verdade da fé, sem se trair, pode ser formulada no espaço público de outras palavras concorrentes? Nesta condição agórica e agónica a convicção do fiel (fides qua) e a sua expressão comunicável (fides quae) têm de passar a mais dura das provas: inscrever-se no espaço não da verdade, mas da verosimilhança; não da realidade, mas da aparência; não do dogma, mas da dóxa. As Confissões de Agostinho de Hipona são uma das expressões mais bem conseguidas desta voluntária inscrição da fé no espaço plural da retórica. Consciente do carácter bífido da palavra, o próprio Agostinho confessa ter sido “um vendedor de palavras”; os oradores profissionais e seus aprendizes não passam de “vendedores e compradores de gramática”. Mas ao distinguir a “retórica ao serviço do erro e da mentira”, pura “feira de tagarelices”, da “retórica ao serviço da verdade”, Agostinho reconduz a retória ao lugar neutro de organon e aceita inscrever as razões da existência crente no espaço da persuasão e da verosimilhança, pois não basta à verdade ser verdadeira: importa que o pareça, que seja verosímil. Assim, a verdade íntima da palavra de fé pode e deve ser dita com eloquência e beleza, de tal modo “que ensine, que deleite, que comova”. E o resultado desta crítica retórica da retórica é a obra ímpar Confissões e suas inúmeras mises en scène adentro do ‘teatro do eu’, em busca de si e de Deus, pelos “vastos palácios da memória”. Mas é justamente aí que são denunciadas as pretensões idolátricas de anexar Deus às “experiências do eu”.

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